em Colunistas, Gui Takahashi

No final do mês passado, comemoramos o Orgulho LGBTQIA+, você deve saber. E, se hoje podemos celebrar, é graças à luta por direitos iniciada há 51 anos atrás, por uma travesti negra em um bar em Nova York, o Stonewall Inn. Ela se chamava Marsha P. Johnson e se recusou a continuar sofrendo violência policial por ser quem era. Em um setor como a beleza, em que vários profissionais são LGBTQIA+, é importante lembrar as que vieram antes de nós para que a falta de memória não esvazie nossas batalhas e conquistas.

Apesar do legado poderoso de Marsha, a luta ainda não foi suficiente para deslocar travestis e pessoas trans da margem da sociedade e por consequência, desse imaginário coletivo. É comum ainda vermos notícias de violência, dor, sofrimento e morte como pautas únicas para existências como a minha e de minhas irmãs. Notícias estas que continuam a nos retratar como condenadas e amaldiçoadas. No entanto, é de extrema importância conhecer e celebrar as possibilidades e vidas trans/travestis. E quando falo isso, é fora de um olhar que nos fetichiza, nos exotifica.

Para me explicar melhor, vou citar o exemplo de duas pessoas por quem tenho muita admiração por estarem vivas e construindo um trabalho belo esteticamente e eticamente: Magô Tonhon (@mulhertrans) e Rapha da Cruz (@oibobinha) – vale o follow! Elas são maquiadoras, talentosíssimas, que já assinaram desfiles inesquecíveis de semanas de moda e agora, são professoras da Escola Madre.

Há uns dias atrás me inscrevi num curso lecionado por Magô e Rapha, chamado Beleza É Diversidade. Lá elas abordam temas extremamente necessários e urgentes para o mercado de beleza: racismo, etarismo, gordofobia, sexualidade, gênero e muito mais. Se você não entendeu a magnitude do curso e por que usei os adjetivos “necessários” e “urgentes”, é só passear por marcas de beleza que ainda insistem em fazer maquiagens apenas para peles claras, que photoshopam sem critérios, que perpetuam um padrão inalcançável.

A diversidade se faz necessária para repensarmos a beleza, que por tanto tempo foi instrumento de exclusão, aprisionamento, segregação.

Já observou que na Renascença o belo era ter a silhueta arredondada, porque isso afastava a magreza trazida pela pobreza e escassez dos vassalos feudais? Depois, com a ampla oferta calórica pelo desenvolvimento industrial e agrário, a moda passou a ser a magreza fitness. Algo similar aconteceu com o bronze. A palidez era bem vista, já que a pele bronzeada era característica de trabalhadoras braçais. E em seguida, se tornou sinônimo de saúde, quando passamos a ser confinadas em fábricas e escritórios e só madames conseguem ir à praia e se exercitar ao ar livre.

A ideia de beleza, classe, privilégio e branquitude estão intimamente ligadas entre si. E é necessário um olhar de fora, como de Magô, Rapha e tantas outras trans travestis, negras, gordas, para denunciar esses vícios, romper essas estruturas e buscar novos caminhos.

Se você assim como eu trabalha com beleza, sabe que ela tem grande poder sobre a autoestima, de maneira até transformadora. Consequentemente, padrões rígidos e a falta de diversidade podem afetar vidas (e mortes) de maneira direta ou indireta, como escreve Naomi Wolf em O Mito da Beleza. A representatividade de corpos fora do padrão tira a invisibilidade, a negação da nossa presença e pode ser uma ferramenta para diminuir a intolerância. É preciso mostrar a pluralidade para que surjam novas possibilidades de viver, de aceitar, de respeitar, de trabalhar, de amar.

Beleza é diversidade. E foi isso que aprendi com Magô Tonhon e Rapha da Cruz na Escola Madre. E é através de exemplos como esses que vamos mostrar que não somos apenas o retrato cômico ou trágico da televisão.

Gui Takahashi

Colunista

Gui Takahashi (@guitakahashi) é jornalista de beleza há 7 anos, trabalha com produção de conteúdo digital para a Beleza na Web e já escreveu para títulos como Women’s Health e FFW.

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