Prazer em conhecer
A partir desta edição, eu, Joana Fleury, GM da L’Oréal Produtos Profissionais, ocuparei este espaço para uma conversa bem franca sobre a beleza do Brasil e do mundo, o nosso mercado e o que eu e a empresa onde trabalho temos a oferecer. Como nem todo mundo me conhece, este papo inaugural fala de mim de um jeito que ninguém nunca viu. Sou eu, despida de travas, de corpo e alma, falando com cada um de vocês. Não há regras para a leitura, nem sequência obrigatória. Sinta-se à vontade para ler como quiser, o quanto desejar e reler o que for mais importante para o seu momento
Eu sou Joana porque meus pais…… me passaram valores que, para mim, são inegociáveis e que hoje guiam minhas decisões e ações. Honestidade, empatia, responsabilidade e, acima de tudo, autenticidade. Vim de uma família típica de classe média, onde não tínhamos luxo nem nenhuma referência corporativa. E o fato de ter tido essa origem considerada “comum” me aproxima muito das pessoas de uma forma geral, independente de hierarquia. Eu nunca esqueço das minhas raízes, de onde vim, isso me faz ter os pés no chão sempre. Eu hoje estou como a GM da L’Oréal Produtos Profissionais, mas isso é um título, um cargo, uma missão, e sem dúvida uma grande responsabilidade. Mas para desempenhar essa função, eu preciso estar conectada a quem eu sou como ser humano, a forma como gosto de estar no mundo. Eu sou uma
pessoa que gosta de estar junto, de trazer leveza para meu dia a dia, de me conectar com os outros, rir e celebrar com as vitórias, mas também ouvir atentamente e estar aberta a entender os desafios. A forma como trabalho é construindo alianças e reconhecendo que o sucesso é o mérito de um grupo, nunca de uma única pessoa. Acho que essa minha característica de liderança mais humana e coletiva tem sido o que marcou a minha trajetória desde que cheguei na L’Oréal, e no fim é herança da criação que eu tive, então sou muito grata aos meus pais por terem me passado esses valores.
Não sou D’arc, mas poderia ser porque há uma guerreira em mim já que………Joana D’arc convenceu o Rei de que ela era uma mulher apta a liderar um exército e, assim como eu, enfrentou de cabeça erguida um meio que até então não era para ela. Se vestiu de homem, driblou o sistema e encontrou seu jeito único de liderar. Essa história se cruza com a minha, pois em algum momento no início da minha carreira eu achei que a única forma de liderar o “exército corporativo” fosse me tornando uma versão diferente de mim, aquilo que eu achava que era esperado. Mas cada vez mais eu venho percebendo que não, e encontrando meu jeito único de liderar. Dez atras, quando me falaram que eu chegaria numa posição como essa, eu disse que não queria. Embora a ideia de liderar uma equipe fosse perfeita para mim, eu não me via nesse lugar, não achava que eu tinha o que era preciso para estar nesse tipo de posição. A maioria das referências que eu tinha, independentemente de boas ou ruins, eram solitárias, de pessoas que vestiam um personagem de força absoluta porque era o que a posição exigia. Não havia espaço para o “não sei”, para
o “preciso de ajuda”. E não havia tanto espaço para a leveza, a fluidez, para a emoção. Mas nesse caminho eu fui tendo a oportunidade de encontrar novas referências, e também fui amadurecendo qual a versão de “guerreira” eu queria ser, encontrando minha própria voz. E hoje, quando escuto a nova geração com dúvidas de ocupar posições de alta liderança, sinto que tenho a responsabilidade de tentar mostrar que cada vez mais existe espaço nas organizações para diferentes estilos, para ser quem você quer ser, desde que seja de verdade e com intenção.
Por outro lado, não sou D’arc porque não sou santa já que……estamos falando de universo corporativo e mundo dos negócios. Apesar de toda minha leveza, informalidade, empatia, é um mundo business. É preciso ser direta, focada, ter alto senso de responsabilidade, e cobrar resultado das pessoas. Muitas vezes em uma posição de lata liderança somos obrigados a tomar decisões que nem sempre nos deixam felizes, que mexem com nosso emocional. E se, assim como eu, você for um líder empático, precisará de um esforço adicional (e bastante terapia) para estabelecer o distanciamento e focar no que é necessário para o negócio independente dos desafios interpessoais. Enfim, para liderar nesse ambiente é necessário exercitar constantemente o equilíbrio entre o ser e o fazer, entre o sentir e o agir.
Casa da mãe joana combina com minha sala na Loréal porque … é um lugar onde acontece de tudo. Faço reuniões todos os dias e me conecto com muitas pessoas ali. Tem risos, “broncas”, segredos, coaching, comidinhas, muita empatia. É um lugar onde eu tomo decisões importantes, mas também onde me reconecto olhando o porta retrato
com a foto dos meus filhos ou a vista para Baía de Guanabara. As pessoas as vezes têm receio de entrar na sala de diretor. Eu tento, sempre que possível, deixar a porta aberta, para que todo mundo se sinta bem-vindo.
Meus bad hair days eu resolvo assim… estando próxima das pessoas que confio, encontrando tempo para me reconectar, não tomando decisões no calor da emoção para não me arrepender depois. A gente é ensinado desde muito novo a agir, e muitas vezes quando estamos em um dia ruim, o que realmente precisamos é pensar e esperar.
Já meus bad mood days….. esses melhor eu ficar sozinha (risos). Como toda boa ariana, eu sou muito volátil, impulsiva, levemente temperamental. Então normalmente consigo ir do mau humorada ao muito feliz em frações de segundos. Mas se sinto que acordei em um bad mood, aí prefiro me recolher para não impactar o outro.
Eu tenho orgulho de ser mulher, mas vivi situações…… em que me preocupei com o que não deveria. Eu tenho três filhos, e sempre tentei planejar a minha carreira em conjunto com a maternidade. No entanto, engravidei do meu 3º filho no mês em que voltei de licença maternidade do segundo, e aquilo mexeu muito com minha segurança. Me senti em dívida com a empresa por ter que sair de novo em 8 meses, me culpei por não ter conseguido planejar tão bem a terceira gravidez quanto as outras duas. Mais de um ano depois do meu retorno eu ainda sentia “errada”, até que tive a sorte de cruzar com um líder de RH incrível que me disse para eu nunca mais me desculpar por esse assunto. Assunto encerrado. A gente se cobra muito e, às vezes, acaba reproduzindo comportamentos e discursos usuais de um padrão masculino e não é pra ser assim.
Eu me solidarizo com as colegas mulheres e minha luta é……pela construção de novos caminhos e representatividade. Como pontuei, há alguns anos eu ouvi que poderia ser Diretora Geral de uma unidade de negócios e na época não acreditei que era possível. Durante muito tempo o padrão para mulheres em grandes corporações era muito difícil de alcançar: precisava ser forte, objetiva, racional, mas também estar impecável todos os dias maquiada, de salto, impor respeito, se fazer respeitar, não demonstrar emoção para não ser interpretado como fraqueza. É muito aprisionamento, tem que haver espaço para todos os perfis, para todas as formas de ser. Minha maior ambição é me manter fiel a quem eu sou e aos meus valores ao longo dessa jornada, sem criar estereótipos. Hoje quando olho para o lado eu vejo cada vez mais mulheres nas empresas e fico muito feliz! Na L’Oréal, em particular, 3 das 4 divisões são lideradas por mulheres, hoje minhas amigas, somos muito diferentes e cada uma na sua autenticidade, e isso é o que é lindo. Ao mesmo tempo que me inspiro nelas, ganho forças para ser também uma referência para as que ainda virão.
A feminista que mora em mim me aponta para….. a importância de transformar a vida de outras mulheres. Em L’Oréal Produtos Profissionais, eu constantemente escuto histórias sobre profissionais que tiveram suas vidas modificadas completamente por conta da profissão. Isso é muito inspirador. No Instituto L’Oréal, por exemplo, temos um público majoritariamente composto por mulheres das classes C, D e E, e que carregam consigo sonhos e a potência de mudar a própria vida e de suas famílias. Antes de entrar nessa divisão eu não conhecia essas histórias, meus amigos não têm noção do impacto social que um salão de beleza
traz, em termos de empregabilidade e mudança de vida. Então a minha intenção é contribuir ainda mais para dar visibilidade para os profissionais da beleza, fortalecendo essa indústria, gerando desejo pela profissão, através das nossas inovações, de novos serviços e das nossas ações de desenvolvimento educacional.
Depois que tive filhos, mudei porque… a maternidade me trouxe uma ponderação do que é realmente importante na vida e que tudo precisa ter equilíbrio. Quando eu penso em maternidade e vida coorporativa eu acho que sempre acabam vindo aqueles clichês: é importante estar disponível, tem que ter tempo de qualidade… mas trazendo para a realidade o que eu gostaria de falar é: não tem como dar conta de tudo, e está tudo bem. Eu acho importante assumir isso, porque isso torna a gente real. Eu amo trabalhar e também amo ter momentos especiais com os meus filhos, e então tem horas que eu deixo algum pratinho cair, porque um dos lados está precisando mais da minha presença. Um episódio que sintetiza bem a minha rotina é que duas vezes por semana eu levo a minha filha para o inglês, volto para casa, me arrumo e vou para a L’Oréal, e toda sexta eu pego meus filhos menores na escola. Naturalmente já é uma rotina corrida, mas durante uma visita de CEOs globais aqui na L’Oréal eu tive semanas intensas de trabalho, não deu para dar essa atenção em casa, então quando chegou o fim das reuniões eu saí do escritório e fui levar meus filhos para uma festa dos amiguinhos, eu queria ter esse momento partilhando o que é importante para eles também. É uma rotina intensa, mas partilhar desses momentos com os meus filhos não é um fardo para mim, pelo contrário, me traz energia. Viver esses momentos faz com que eu me sinta inteira.
A beleza me consome, me acolhe, me preenche. A Beleza para mim é …………….pluralidade, diversidade, é assumir quem você é, não tentar se encaixar em padrões, não tentar seguir os outros e assumir a força e a potência que existe em cada um de nós, exatamente do jeito que a gente é.
Meu tempo, my precious – parafraseando O Senhor dos Anéis… Eu sempre busco ter meu momento. Para mim é muito importante dentro das possibilidades de cada um, pois são eles que nos possibilitam dar conta de tantas frentes. No meu caso, descobri a yoga no meio da pandemia e não parei mais, e também danço hip-hop. Enquanto a yoga me traz concentração, introspecção, a dança me lembra que tudo bem você simplesmente se divertir sem a preocupação com a perfeição. Mas o trabalho também é uma parte desse meu tempo, e quando meus filhos me perguntam por que eu tenho que ir para o escritório e eu gosto de falar para eles que assim como eles gostam da escola eu vou para o trabalho, porque é o lugar onde tenho amigos, onde aprendo coisas novas, acho importante que eles não associem apenas a dinheiro.
Abri caminhos aqui na Loréal. Um deles me marcou porque… foi justamente quando voltei de licença maternidade do meu terceiro filho. Eu assumi uma área nova, grande e estratégica, com alguns assuntos que eu não dominava por completo como RGM ou e-commerce. Na verdade e-commerce eu assumi 15 dias antes da pandemia começar, e da noite para o dia o canal virou prioridade máxima. Foram muitos meses de muito trabalho, trancada em casa com 3 filhos pequenos, administrando conhecimentos novos em áreas que não eram minha expertise, e ao mesmo tempo gerenciando a loucura que foi a pandemia para todas as
famílias. Mas no final, o resultado do meu esforço e entrega foi superpositivo, e eu tenho segurança que foi um dos momentos em que eu mais abri caminhos para a minha carreira na Loreal.
Dos sonhos que já tive, mantenho … a certeza de que realizei muitos deles! Como constituir uma família com meu marido, com quem estou faz 20 anos, e meus 3 filhos que são tudo para mim. Ter uma carreira da qual me orgulho, chegando em um cargo de alta liderança. Viajar para lugares interessantes. Manter uma rede de amigos que me conhecem profundamente e nutrem quem eu sou. Ainda me resta talvez um grande sonho, que guardo para um momento mais à frente da minha vida, que é me dedicar exclusivamente ao voluntariado. Meu objetivo é trabalhar para uma organização que ajude crianças em situações de vulnerabilidade, com o Médicos sem Fronteiras, por exemplo. Esse ainda irei realizar.
A responsabilidade de estar neste cargo executivo, nesta empresa tem suas delícias…….. Na L’Oréal buscamos construir a beleza que move o mundo, e esse posicionamento me engaja muito, porque fala sobre o impacto que a beleza pode ter na sociedade, da forma mais ampla possível. Desde a autoestima de uma pessoa que se empodera através da beleza, até a empregabilidade e a inclusão social que vem dessa indústria. E estando a frente da Divisão de Produtos Profissionais, uma das coisas que me move é a ideia de construir pontes para um futuro melhor para as próximas gerações. Podemos construir salões cada vez mais engajados e compromissados sustentabilidade, uso de enrgia renovável, redução de consumo de água, tratamento de resíduos. Podemos trazer cada vez mais tecnologia através de serviços ou produtos com ampla pesquisa, para que cada vez mais pessoas se sintam representadas pelas nossas marcas. E
podemos ampliar o acesso a uma educação cada forte e ampla, que transforma vidas ao capacitar indivíduos para a profissão. Sonho que cada vez mais as pessoas sintam orgulho dessa profissão e da sua história. A profissão de cabelereiro é muito mais do que executar um serviço, é ajudar cada pessoa que se senta em uma cadeira de salão a construir a sua forma de se apresentar para o mundo.
Eu gosto de um approach assim… com muita transparência e objetividade. Eu gosto do olho no olho, da conversa franca. A pandemia, por exemplo, foi muito difícil nesse sentido. Num país como o Brasil onde a base de nossa cultura é relacionamento, a tela do Teams não consegue ter o mesmo impacto do aperto de mão, e existem também diversos estudos que falam que a maior parte da nossa linguagem é não verbal, o que também fica mais difícil de capturar pelo online. Por outro lado, o mundo digital nos trouxe a capacidade de falar com mais pessoas dentro das horas úteis de uma semana. Antes da pandemia para visitar um cliente no Nordeste, por exemplo, precisávamos de dois dias por conta da logística. Hoje, eu consigo fazer reunião com um cliente de SP pela manhã e um de Recife pela tarde. Isso é maravilhoso! Outra grande vantagem é você poder colocar numa mesma sala de reunião virtual parceiros de diferentes locais, em prol de um objetivo único. Então no fim sempre tem o lado positivo, desde que não se perca a transparência.
Minha equipe significa...troca e múltiplas possibilidades. Eu sempre tento me conectar com as pessoas, marcar pequenos pontos com pessoas do time mesmo que não reportem diretamente para mim. Eu sempre aprendendo nessas conversas. Também procuro um time com opiniões e
perfis diferentes do meu, adoro que me questionem, discordem, porque assim construímos juntos algo melhor. Acho que um das características que marcou a minha trajetória desde que cheguei na L’Oréal, é a como reconheço que o sucesso é sempre o mérito de um grupo, e não de uma única pessoa. Sem minha equipe não seria possível alcançar nossos objetivos com sucesso, e como líder é minha responsabilidade garantir que todos se sintam valorizados e apoiados em seu trabalho, além de criar um ambiente de trabalho positivo e colaborativo. Juntos, podemos superar desafios e alcançar grandes realizações.
São tantas as minhas metas que, às vezes, acho que não conseguirei… dar conta de tudo, mas como já dissemos, tudo bem não dar. Não é sobre conseguir fazer tudo ao mesmo tempo, esse é o grande aprendizado. É sobre escolher as prioridades do momento, e também despriorizar por completo outros pontos.
Eu sou a Joana e vou dividir segredos que nunca contei para ninguém sobre mim…
Sou um livro aberto, conto tudo (risos). Brincadeiras à parte, eu não tenho segredos, sou simples, gosto de estar perto de pessoas que me nutrem intelectualmente e emocionalmente, gosto de ter um tempo para mim com minha yoga e a dança, amo estar com meus filhos brincando e dando beijinhos, e com meu marido que é meu grande parceiro de vida. Tenho um orgulho enorme da carreira que construí e quero, da forma mais genuína possível, inspirar outras pessoas a acreditarem em suas possibilidades. E acho que tudo o que queremos a gente pode atrair para nossa vida, basta colocar intenção e se permitir.